Como ajudar?
O Transtorno de Acumulação Compulsiva é uma psicopatologia caracterizada pela aquisição compulsiva de objetos desnecessários, dificuldade em desfazer-se dessas posses e desorganização do espaço.
Do normal ao patológico
Aquiles da Mota Lima, nascido em tomar, começou a colecionar caixas de fósforos em 1953. Começou por trazer uma caixa de fósforos de cada país que visitava, para que mais tarde conseguisse recordar o país, os cheiros, os momentos e as pessoas que com ele se cruzaram. Ao longo da sua vida a coleção foi aumentando e os seus familiares e amigos traziam-lhe já caixas de fósforos diferentes para que pudesse juntar à sua coleção. Hoje, é a sua filha que cuida do “Museu dos fósforos” que conta com cerca de 40 mil caixas de fósforo de 127 diferentes países. Aquiles da Mota Lima, um colecionador entre tantos fez uma procura ativa de um objeto em específico, organizava as caixas por países e acondicionava-as para que não se degradassem. Olhando para o seu percurso percebemos que existe um método no meio da sua loucura. Uma loucura saudável.
O comportamento de colecionar e acumular objetos está presente em todas as populações, sendo que varia entre espectros: de normal a patológico.
Em pessoas com o Transtorno de Acumulação Compulsiva percebemos que existe um processo de degradação progressiva, onde não há método nenhum e o comportamento de acumulação afeta a qualidade de vida da pessoa e da comunidade. A acumulação pode resultar da compra compulsiva de objetos diversificados, da compra em grandes quantidades (desproporcionais ao consumo), do roubo de peças, do amontoar de lixo em casa ou recolha de objetos do lixo, descartados por outros. Independentemente da origem, os objetos acumulados congestionam e causam desorganização nas áreas funcionais e de convívio, como a cozinha, quarto e sala de estar, interferindo com o uso dessas áreas. As atividades básicas diárias, como transitar pela casa, cozinhar, limpar, fazer a higiene pessoal e até mesmo dormir ficam afetadas verificando-se a longo prazo uma saúde física deficiente e intensa utilização dos serviços sociais. Em casos graves, a acumulação pode colocar os indivíduos em risco de incêndio, de cair, bem como submetê-los a condições sanitárias deficientes. O conflito com os vizinhos e as autoridades locais é comum, sendo que muitos dos indivíduos com transtorno de acumulação grave enfrentam procedimentos e/ou intenções de despejo. Nem sempre as memórias e a ligação emocional aos objetivos justificam a dificuldade em desfazerem-se dos mesmos. Em muitos casos a angústia, ansiedade e tristeza está relacionada com a dificuldade em tomar uma decisão, com medo de deitar para o lixo algo que precisem no futuro e não tenham possibilidade de comprar.
Qual a origem do Transtorno de Acumulação Compulsiva?
Estudos em gêmeos indicam que aproximadamente 50% da variabilidade no comportamento de acumulação deve-se a fatores genéticos aditivos. Adicionalmente, 50% dos indivíduos refere que têm um familiar com o mesmo comportamento. Para além dos fatores genéticos os acontecimentos ao longo da vida parecem ter também um papel preponderante, sendo que os indivíduos com transtorno de acumulação com frequência relatam retrospetivamente eventos stressantes e com traumas interpessoais, como violência doméstica e perda acidental ou trágica de ente querido. A experiência de um trauma interpessoal pode resultar em apego emocional forte a pertences que passem sensação de segurança aos indivíduos.
Aproximadamente 75% dos indivíduos com transtorno de acumulação têm um transtorno do humor ou de ansiedade comórbido. As condições comórbidas mais comuns são transtorno depressivo maior (até 50% dos casos), transtorno de ansiedade social (fobia social) e transtorno de ansiedade generalizada. A doença funciona como uma mórbida auto-compensação de algo que aflige o indivíduo.
O Transtorno de Acumulação Compulsiva trata-se de um transtorno emocional com fortíssima repercussão comportamental.
A gravidade da acumulação aumenta a cada década da vida.
Os sintomas de acumulação parecem ser quase três vezes mais prevalentes em adultos mais velhos (55 a 94 anos) comparados com adultos mais jovens (33 a 44 anos). É uma doença que vai evoluindo com o tempo, intensificando quando:
- Existe uma quebra e rejeição dos padrões sociais, observados no descuido pessoal e habitacional;
- Se vive sozinho ou em Isolamento Social, sendo que em muitos casos é o próprio doente que afasta a possibilidade de contacto social, por vergonha;
- O reduzido insight para o problema e o aparecimento de outros problemas de saúde que incapacitam o idoso de arrumar os objetos acumulados.
Como podemos ajudar?
O diagnóstico e tratamento de um transtorno de acumulação compulsiva é competência de profissionais qualificados. Atendendo à complexidade do transtorno, a intervenção deve ser planeada em conjunto com o médico de família, os assistentes sociais, o Ministério Público, a proteção civil e a rede de suporte.
Na ATLAS, no âmbito do Projeto Velhos Amigos (projeto que apoia idosos em situação de Isolamento e Carência Económica), temo-nos deparado com várias situações de acumulação excessiva. A carência económica, a falta de respostas sociais e gratuitas para estes idosos afasta muitas vezes a possibilidade de uma intervenção adequada, pelo que importa refletir como é que, enquanto cidadão preocupado ou vizinho, podemos ajudar.
Uma vez que se trata de um problema com raiz profundamente emocional, é importante estarmos disponíveis para ouvir, compreender e colocarmo-nos no lugar do outro. Por muito invulgar, desadequado ou até perigoso que julguemos o comportamento de acumulação, este cumpre uma função para a pessoa, a de lhe transmitir segurança ou a de a ajudar a lidar com pensamentos e emoções negativas. Todos temos as nossas estratégias para lidar com a dor, umas mais apropriadas do que outras. Particularmente para um idoso, criar novas ferramentas torna-se difícil e a mudança é muito mais assustadora. A empatia, a sensibilidade e a atitude livre de julgamentos são elementos essenciais para ajudarmos o outro, numa perspetiva de abertura e de respeito pelas suas dificuldades. Dediquemos, então, a nossa energia a preencher as vidas das pessoas com momentos positivos, carregados de afeto, proximidade e atenção. Talvez assim não sobre espaço vazio para esconder com bens materiais.
Referências
American Psychiatris Association (2013). Diagnostic and Statistícal Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. Washington: APA.
Vidal, C. E. L. & Wanderley, R. G. (2012). Transtorno Obsessivo-Compulsivo. In C. N. Abreu & M. Roso (Cols.). Psicoterapias Cognitiva e Construtivista Novas Fronteiras da Prática Clínica (pp. 139-148). Porto Alegre: Artmed.
Autora: Ana Rita Vieira
Formada em Psicologia das Organizações e do Trabalho, com formação em Psicologia Comunitária e Igualdade de Género.
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