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Liberdade, por onde andas?


“Uma gaivota voava, voava/ Asas de vento, coração de mar./ Como ela, somos livres./ Somos livres de voar.” Estes versos marcaram a infância ou juventude de muitos de nós e ficaram na memória da maioria. São versos que nos fizeram acreditar num conceito que devia ser um dado adquirido para todos os seres humanos: liberdade.

Ao imaginar a gaivota a voar com asas de vento e coração de mar, surgia um mundo que parecia perfeito, onde seria possível fazer e dizer o que se quisesse e no qual não haveria limites para a imaginação e felicidade. Um mundo colorido, repleto de sons e cheiros familiares que nos fariam sentir sempre em casa. Os anos foram passando e a gaivota foi abrandando o seu voo. As suas asas de vento perderam muito do equilíbrio que a sustentava e o seu pouso tornou-se mais frequente. Parada, deu conta da poluição dos ares, do degelo dos glaciares, das descargas poluentes, dos terrenos revirados pela mineração movida por interesses económicos… O seu coração de mar foi agredido com arritmias constantes motivadas pela observação da desintegração familiar, com pais e mães sozinhos, com crianças que vivem entre casas, sem pouso certo, com idosos solitários ou abandonados. A gaivota, que devia continuar a voar em liberdade, passa agora muito do seu tempo parada. Invade-a uma tristeza imensa perante as pessoas deportadas, a invasão de países soberanos, as mortes e torturas, as cidades e países destruídos, a fome de povos inteiros, a violência doméstica, invasão máxima da privacidade.

A gaivota sofre profundamente com perdas essenciais de liberdade: casamentos de adolescentes decididos por adultos, impedimento de raparigas frequentarem a escola só porque são mulheres, tentativas de manipulação constante de seres humanos para os mais diversos fins, esmolas frequentes oferecidas a quem mais precisa apenas para perpetuarem grupos dominantes e manterem grupos dependentes. O mundo livre da gaivota transformou-se numa prisão encapotada com máscara de liberdade. O colorido que se imaginava, está agora nas imensas ilhas de plástico no meio do oceano, nas tintas e pós usados para agredir os políticos e em bandeiras ideológicas que nada acrescentam à felicidade de cada um. De resto, o mundo parece estar a ser, cada vez mais, pincelado a preto e branco, perdendo vida e ameaçando de extinção as espécies. E a violência é uma constante desde que haja dois seres humanos. O que nos aconteceu? Quando é que, na alucinação da liberdade, esquecemos onde termina a nossa e começa a do nosso semelhante, seja ele humano, animal ou a natureza apenas? Quando é que esquecemos que a única herança que deixamos aos nossos descendentes é a casa, o mundo em que vivemos?  A gaivota voa agora para as lixeiras, onde se alimenta, e quase esqueceu a costa. As suas asas já não são de vento nem o coração de mar; vive apenas para se manter viva, e volta à praia unicamente para pernoitar e ganhar alento para o dia seguinte, ouvindo o som do mar. O que fazer então? Desistir? Não é opção. Intervir? Como? A resposta não é fácil nem óbvia. Trata-se de acreditar apenas. Acreditar nos nossos líderes: políticos, religiosos… E, principalmente, acreditar em nós mesmos. Se cada um contribuir com a sua parte do esforço, certamente conseguiremos inverter a situação e permitir que a gaivota volte a voar como a imaginámos.

Autora:

Helena de Jesus

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