Cooperação para o Desenvolvimento

Uma leitura, uma partilha de opinião.

“Uma leitura, uma partilha de opinião” é um espaço de partilha entre voluntários e voluntárias da ATLAS. Aqui descobrimos o que andam a ler, quais as suas reflexões e sentimentos. Estão todos e todas convidadas a deixar comentários ao artigo no fim desta página!


Unidos vencemos, separados caímos

Comentário de Celina Gameiro

Voluntária na Atlas, no projeto Velhos Amigos. Residente em S. Simão de Litém, concelho de Pombal.  Licenciada em Línguas e Literaturas modernas, variante de estudos franceses
e ingleses, pela FLUC. Ouvinte e observadora. 

Desta vez a leitura fez-me sair de Portugal e andar um pouco pelo mundo. Consegui-o através de Jhumpa Lahiri, uma escritora e contista com ascendência indiana, nascida em Londres e residente em Nova Iorque.

Do seu livro de contos “Intérprete de enfermidades”, o que mais me marcou foi o conto “Quando o senhor Pizarda vinha para jantar”. Gostei deste conto pela temática em si: do exílio, da imigração, dos refugiados, não da Síria ou do norte de África, mas do Paquistão. Mas gostei sobretudo do facto de o narrador ser uma criança.

Os olhos das crianças são sempre diferentes dos adultos
e não entendem as separações.

Para elas o mundo seria uma festa onde todos viveriam de mãos dadas. O senhor Pizarda era um professor assistente numa universidade, em Dacca, marido e pai de sete filhas. Foi-lhe atribuída uma bolsa de estudo para viajar até Nova Iorque e investigar o tipo de folhagem de Nova Inglaterra. A bolsa não era lá muito avultada pelo que ele tinha de viver numa residência de estudantes. Os pais de Lília, oriundos da Índia, tinham conhecimentos de gente ligada à universidade e viram no senhor Pizarda uma forma de conviver com um compatriota. Para o senhor Pizarda era uma forma de ter um jantar agradável, de ver o noticiário e de ter notícias da sua terra e família.

À pequena Lília bastavam-lhe os rebuçados que ele trazia no bolso. Só isso já fazia a companhia do senhor Pizarda valer a pena. Houve uma noite em que o senhor não foi. O pai de Lília comunicou-lhe que ele já não era indiano. Que o país se dividira. Que ele pertencia à parte muçulmana. O pai explicou à pequena que durante esta divisão ambas as partes soltavam fogo à casa uns dos outros e que não concebiam sequer viverem na mesma região, quanto mais partilharem uma refeição.  A pequena não entendia esta divisão. Se as pessoas falavam a mesma língua, riam das mesmas piadolas, tinham hábitos semelhantes e até se pareciam uns com os outros porque haveriam de se maltratar e excluir? Na noite seguinte o senhor Pizarda voltou para jantar, apesar das diferenças, apesar dos acontecimentos, apesar de ser um refugiado paquistanês em casa de indianos. Mas foi bem recebido e mimou, como de costume, a miúda com doces. A pequena que nem sabia se ele se ofenderia se fosse tratado de indiano, acabou por ter o melhor exemplo da sua família: o saber acolher, o não preconceito, o saber discutir sobre temáticas e assuntos com respeito pela opinião do outro, que pode perfeitamente ser diferente da nossa. O senhor Pirzada acabou por ter de regressar a casa, a Dacca. Não voltou mais para jantar. Deixou um lugar vazio, mas muitas recordações e a pequena percebeu o que era sentir a falta de alguém, a saudade. Quando os relacionamentos são bons e há aceitação e amizade, quando a pessoa parte, fica a saudade.

Os pequenos gestos, até o simples levantar de um copo permanecem gravados na nossa mente e também no coração. Às vezes, é preciso fazer um grande esforço para aceitar e até perceber a forma de vida das outras pessoas que podem ser tão diferentes da nossa. Mas, na maior parte das vezes, vale a pena!

Intérprete de Enfermidade
de Jhumpa Lahiri

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O mundo precisa de nós!

Olá, sou a Nicole Bohórquez tenho 20 anos e sou uma estudante Universitária do Equador. Há 3 anos lancei-me numa aventura para um dos melhores países do Mundo, Portugal.

Quando temos 17 anos ainda não sabemos muito bem o que queremos ser na vida, nem o que queremos estudar e muito menos onde; mas uma coisa é verdade, queremos sempre uma mudança, queremos trocar tudo aquilo que não gostávamos por coisas que nos apaixonam.

O Equador é um país maravilhoso: cheio de cultura, importantes patrimónios históricos e uma flora e fauna como nenhuma outra região no mundo; histórias que intrigam aos mais exigentes visitantes são contadas diariamente nos seus grandes centros coloniais. Quito, a cidade que me viu crescer e a antiga capital do império Inca como, alguns historiadores afirmam, foi contruída na metade do mundo sobre as montanhas da cordilheira dos Andes a mais de 2.850 metros sobre o nível do mar, e foi o lugar onde toda a minha família esperava saber qual ia ser o próximo episodio da minha vida. 

Quito, capital do Equador.

Mas para uma rapariga como eu, que estava à procura de novos desafios e expandir os seus conhecimentos mais além das fronteiras ,não me bastava ficar naquele belo lugar. Eu precisava de mais, precisava mesmo de levar a minha mala cheia de solidariedade a um país tão maravilhoso como o meu. A dúvida invadia todo o meu corpo, despertando o desejo de saber qual seria o meu destino.

Portugal é o País dos castelos medievais, aldeias de xisto, cidades cativantes e praias douradas, uma região que entrega ao mundo os mais sublimes pôr-do-sol que alguma vez já vi.  Desde a cidade dos Miradouros de Lisboa até à apaixonante cidade de Porto. O terceiro país mais seguro do mundo, uma região muito tranquila para se viver, os cidadãos mais antigos dizem que Portugal é o “cantinho do céu”; e como não acreditar nisto se cada dia da minha vida em Portugal tem sido uma bênção de Deus.

Eu sou das pessoas que acreditam em que a vida é uma aventura, e que temos de vivê-la como se cada dia fosse o último, sou uma rapariga que tem uma grande ligação com a sua família, mas o meu compromisso com o mundo vai mais longe. Nunca me vou esquecer da primeira vez que tive de me despedir da minha família no aeroporto Internacional de Quito, nunca antes tinha sentido tantas emoções ao mesmo tempo, era uma batalha intensa entre o entusiasmo de conhecer o meu destino e a tristeza de deixar para atrás os seres que mais amo no planeta.

 Só a partir daí reparas que tudo o que tinhas antes ou o que tinhas construído em toda a tua vida afastava-se pouco a pouco através da janela dum avião, mas depois de um suspiro começas a pensar em que tudo vai correr bem, e em que serás o orgulho de uma família inteira que sempre vai esperar o teu regresso.

Portugal recebeu-me de braços abertos, o clima era perfeito, o meu café era perfeito, Leiria era tão linda, tudo era espetacular. Não podia esperar para chegar ao meu quarto deixar as minhas coisas e sair para conhecer a nova cidade onde ia viver nos próximos 3 anos.

No início, o meu nível de português era o equivalente a um miúdo de 6 anos e, apesar disso, graças à boa vontade para ajudar- característica do povo português-, conseguia comunicar com algumas dificuldades, mas sempre transmitindo o meu objetivo.

Adorei imenso a gastronomia de Portugal!,- o bacalhau com natas, o bacalhau a Brás, o bacalhau espiritual-,… meu deus, nunca pensei que o bacalhau podia ser cozinhado de tantas maneiras e oxalá algum dia consiga experimentar todos os que existem.

Para quem vem da América Latina, continente que não testemunhou a época Medieval, a arquitetura das cidades europeias é uma verdadeira obra de arte e o ponto mais expressivo da bela cidade de Leiria sem dúvida é o seu castelo, de onde os visitantes podem apreciar as extensões territoriais de uma das mais peculiares cidades europeias.

Será que valia a pena ter deixado tudo para trás?

Os meus primeiros meses não podiam ter sido melhores, foi uma das melhores épocas que já passei, mas chegou um ponto que comecei a questionar as minhas próprias decisões, era este o caminho correto? era esta a vida que eu queria? Será que valia a pena ter deixado tudo para trás e começar do zero? tantas perguntas sem uma resposta clara nublavam na minha mente e afogavam as minhas ânsias de mover adiante.

Sim, é certo que vir para Portugal foi a melhor decisão que podia ter tomado, mas deixar o meu país foi o mais difícil de assimilar. Neste ponto da minha vida, onde quase nada fazia sentido, ganhei uma família, da qual vou estar sempre eternamente agradecida, pois com eles descobri a importância de valorizar a vida de uma pessoa tanto como a de milhões: Atlas, uma organização Portuguesa de Voluntariado, um raio de esperança no mundo e uma bênção para aqueles que mais precisam da colaboração da sociedade.

Graças a eles, reforcei o meu propósito de vida: “Fazer o bem sem olhar para quem”, e aos que chegaram até este ponto da história, quero dizer-vos que o mundo precisa de nós, não importa onde estejamos. Podemos fazer tanto só com o nosso sorriso e a vontade de fazer mais amena a vida daqueles que já desistiram de ser felizes.

Bootcamp de voluntários 2019, no qual a Nicole esteve presente.

Quero culminar com uma frase que toca a minha alma sempre que a oiço, e que sei que vai servir como motivo para te fazer sair da tua cadeira a abraçar todos aqueles que precisem do nosso carinho.   

Enquanto houver vida, haverá esperança!


Autora
Dayana Nicole Bohórquez Huertas
Estudante e Voluntária no Projeto Velhos Amigos

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Compassos da vida.

Iniciei a escrita deste texto a pensar no título de uma canção do extraordinário Sérgio Godinho: “Mudemos de assunto”.


Por mais que tente “mudar de assunto”, tenho ido parar ao mesmo: a minha perceção de que, neste momento social, as pessoas em idade ativa parecem estar divididas em dois compassos. Por um lado, trabalhadores que estão, de momento, desempregados, em espera da desejada “retoma” e a refazerem expetativas de forma a se ajustarem às oportunidades que surjam. Por outro lado, os trabalhadores no ativo que, independentemente do setor de atividade, estão a viver num ritmo frenético e avassalador.


Curiosamente, a média de idades dos voluntários da ATLAS é de 41 anos, a maioria estará a trabalhar. Há, certamente, episódios de vida comuns entre nós: mais um turno que é preciso fazer na fábrica num pico de produção; horas extra no escritório para concluir um relatório; prolongamento do horário para apoio logístico a tantos pedidos de clientes; videochamadas sem fim quando o trabalho invadiu a nossa casa, etc..
Trabalhar produtivamente é salutar e esperado nesta etapa do ciclo de vida (que se prolonga até cerca dos 60 anos). A par da produção e criatividade na atividade profissional surge a necessidade de criar e cuidar da família.


O meu ruminar de assunto tem a ver com isto mesmo: neste mundo materialista, dos números e das metas, a balança sai muitas vezes desequilibrada, com o aspeto profissional mais sorvedouro. A idade dos grandes desafios profissionais é também a dos grandes desafios da educação dos filhos e das fragilidades dos pais e a vida é, tantas vezes, gerida ao minuto, num correr de dias e voo de meses. Os filhos crescem, os pais envelhecem e precisamos ter tempo só para ser, só para estar.

“(…) precisamos ter tempo só para ser, só para estar.”

“Mas isto é um canto
E não um lamento
Já disse o que sinto
Agora façamos o ponto
E mudemos de assunto
(…)”


Conseguindo satisfação neste equilíbrio entre trabalho e família, o sentido do cuidar pode até ir além do contexto familiar e abarcar a comunidade onde se está inserido, a preocupação com os outros, o cuidar solidário (que também é comum entre nós, voluntários).
Neste mundo incerto, complexo, ambíguo, imprevisível, precisamos de descobrir quais as ligações (à natureza, à família, aos amigos, ao trabalho, à comunidade, etc.) que nos dão segurança, confiança e que têm significado para nós. Essas ligações são as que moderam os desequilíbrios e restituem harmonia. É um exercício de reflexão, cuja necessidade tantas vezes sentimos, mas que os grandes desafios, que acima referi, vão adiando… Então, desejo-nos tempo para que “façamos o ponto” da vida, de vez em quando, e para que possamos vivenciar essas ligações.


Autora
Sofia Carruço
Psicóloga e Voluntária na Atlas – People Like Us, em Leiria

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